Apesar de importantes avanços legais, com adoção de leis e normas técnicas, assegurar que os 18,6 milhões de brasileiros que têm alguma severa dificuldade motora, visual ou de cognição tenham sua mobilidade respeitada, ainda é uma tarefa desafiadora. Especialista no assunto, engenheiro traz orientações em projetos que fazem toda diferença
Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 8,9% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Em números gerais, isso significa que 18,6 milhões de brasileiros apresentam severas limitações de locomoção, de visão e de cognição. É fato que as pessoas com deficiência (PcD) no país conseguiram, nas últimas duas décadas, vários e importantes avanços legais com a promulgação de leis e normas técnicas que buscam promover o bem-estar e segurança dessa significativa parcela da população. No ano 2000, foi promulgada a Lei de Acessibilidade (10.098/2000) que estabeleceu, em todas as esferas do poder público, diretrizes gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Mais recentemente foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão, (13146/15), ampliando o tema.
Apesar dos avanços legais, segundo informa o engenheiro civil Augusto Cardoso Fernandes, que foi coordenador de acessibilidade do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, e co-autor do livro “Acessibilidade: 14 profissionais e 1 propósito”, garantir na prática a acessibilidade a todos ainda é tarefa difícil. “Em termos de legislação estamos bem servidos, o desafio fica por conta da implementação”, diz.
Indo além das calçadas acessíveis, que já são obrigatórias nas cidades brasileiras, a acessibilidade precisa acontecer também dentro dos prédios e apartamentos. Para que isso aconteça, conforme explica Augusto, a construtora deve disponibilizar ao consumidor uma planta adaptada para o apartamento, caso ele necessite de medidas acessíveis. “Hoje nós recomendamos que os projetos sejam desenvolvidos com o desenho universal, ou seja, que já atenda o quesito básico da acessibilidade”, afirma.
Justamente para aprimorar as medidas acessíveis dentro de seus empreendimentos, a GPL Incorporadora convidou o engenheiro para dar uma consultoria nos canteiros de obras acerca das normas técnicas de acessibilidade. “O objetivo é ajudar a equipe de engenharia a desenvolver o olhar mais apurado para os pequenos detalhes que precisam ser observados para que a acessibilidade se concretize”, informa Augusto, que vem acompanhando a execução dos projetos da construtora.
Além do extenso Know how técnico como engenheiro civil há mais de 22 anos, Augusto Cardoso traz também o ponto de vista de quem sente na pele os desafios de se locomover livremente e com segurança. O engenheiro é cadeirante desde 1992, em virtude de um acidente enquanto praticava judô. “Um pequeno desnível, um grau de inclinação a mais na rampa, a falta de um corrimão ou uma porta mais estreita fazem diferença no dia a dia de quem precisa da acessibilidade”, expõe.
Com base no conhecimento técnico e na sua vivência, o engenheiro Augusto Cardoso lista, a seguir, dez medidas relativamente simples, mas que tornam realmente eficaz a acessibilidade dentro dos prédios residenciais e comerciais. Confira:
1 – Rampas
Com o objetivo de permitir a entrada de moradores e passantes a um prédio, as rampas são de extrema importância. Levando em consideração que a sua utilização é essencial para pessoas em cadeira de rodas e com mobilidade reduzida, se faz necessário uma inclinação e largura adequadas. Segundo observa Augusto Cardoso, o ideal é que as rampas tenham uma inclinação entre 5% a 8,33%.
2 – Corrimãos
As barras laterais de apoio para as mãos são imprescindíveis nas rampas e escadas. O ideal é que haja duas barras, uma a 70 centímetros de altura, que irá atender pessoas com baixa estatura, crianças, cadeirantes; e a outra com altura de 92 centímetros, para atender pessoas mais altas.
3 – Piso tátil
Também conhecido como placas com relevos fixadas ao chão, o piso tátil tem por finalidade alertar ou guiar o percurso de pessoas com deficiência visual. Dentro de um condomínio, o piso tátil de alerta é o mais utilizado e esse meio de sinalização deve estar instalado em todas as áreas onde há algum desnível entre pisos, como no início e no final de escadas e rampas e em frente à porta de elevadores.
Nas calçadas, são utilizados tanto o piso tátil de alerta quanto o direcional, que servem para mostrar um caminho seguro sem obstáculos. Vale ressaltar que, apesar de ser voltado para pessoas com deficiência visual, as cores dos elementos importam. “A maior parte das pessoas com deficiência visual tem um percentual baixo de visão. A existência de sinalização tátil com cores contrastantes com o piso existente ajuda a identificá-los e inibe acidentes, enquanto quem tem a perda total da visão, utilizam as faixas em alto-relevo como guia promovendo mais autonomia”, salienta o engenheiro.
4 – Largura dos corredores
Seja nos espaços internos ou externos de um edifício, os corredores devem ser projetados para atender, de forma confortável, o fluxo de pessoas que ali residem ou frequentam. Para corredores com extensão de até quatro metros, onde passa apenas uma pessoa por vez, as dimensões devem ser de 90 centímetros de largura. Já para permitir a passagem de uma pessoa e uma cadeira de rodas juntos, os corredores devem ter dimensões de 1,20 metros de largura, porém, neste caso, a cadeira de rodas não conseguirá fazer um giro para retornar no mesmo corredor.
O ideal é um corredor com largura de 1,50 metros, que além de permitir a passagem de duas cadeiras de rodas ou dois carrinhos de bebê, garante que a pessoa consiga fazer o retorno no mesmo corredor. “Isso permite um fluxo de pessoas e uma facilidade maior de circulação para todos, em especial aquelas com deficiência ou com mobilidade reduzida, o que inclui idosos, gestantes, obesos e mães com crianças de colo”, pontua Augusto.
5 – Medidas das portas
Para assegurar uma passagem segura para cadeirantes, segundo o engenheiro, as portas devem ter, ao menos, 80 centímetros de largura. Vale lembrar também que na lateral da porta deverá existir um espaço adicional de parede com 60 centímetros caso a abertura seja para dentro (puxando), e 30 centímetros quando ela é aberta para fora (empurrando). “Se não há este espaço, a cadeira de rodas ficará em frente ao vão livre da porta, sem espaço para puxá-la ou empurrá-la, dificultando muito a abertura”, explica Augusto.
6 – Desníveis entre ambientes
Um dos grandes desafios da acessibilidade é conseguir garantir um desnível máximo de 5 milímetros entre os ambientes. Você não leu errado, eu disse mesmo meio centímetro. Esse ai é o valor que pode ser deixado entre os ambientes sem que se faça nenhum tratamento. Mas aí vem outras duas variáveis que devem ser levadas em consideração e que também impactam muito na edificação.
A primeira variável é a água. Isso porque, 5mm não é o suficiente para impedir que a água circule de uma ambiente para outro, principalmente naqueles locais que recebem a chuva diretamente nas portas. Sendo assim, a solução antes apresentada era elevar os trilhos das portas que, em contrapartida, inviabilizam a acessibilidade.
A outra variável é o vento, ou melhor o barulho que o vento provoca ao passar pelos frisos das portas. Para atender ambas as variáveis, a GPL Incorporadora optou pelo uso das soleiras inclinadas. Elas são soleiras comuns instaladas com uma inclinação que pode, inclusive, ter meio centímetro na borda no ambiente mais baixo.
7 – Alcance visual
Uma das principais frustrações de um cadeirante e pessoas com baixa estatura é não poder apreciar a vista estando em frente a uma janela. Contudo, de uns tempos para cá esta frustração tem diminuído gradativamente, pois as janelas estão sendo especificadas com tamanhos maiores e que contemplam também uma parte mais baixa, o que permite uma melhor visualização de ruas, parques, enfim, as mesmas coisas que uma pessoa em pé consegue observar.
8- Sinalização
Em todos os ambientes de uso comuns é importante que a sinalização não apenas identifique o ambiente tais como salão de festas, sanitários, brinquedoteca, sauna, mas também tenha uma atenção na escolha das cores, tamanho de letras, que existam pictogramas associados e também tenham o braile. Vale lembrar que estas placas têm que estar instaladas mantendo uma padronização de altura e posição para que seja facilmente identificada pelas pessoas, inclusive as com baixa visão ou cegas.
9 – Brinquedotecas
De acordo com o engenheiro, ainda é muito recorrente a aplicação de mobiliário com quinas, tomadas baixas e pendentes que a criança consegue alcançar a lâmpada. “Eu tenho orientado as construtoras a mudarem estas práticas porque colocam a criança em risco. A acessibilidade também se preocupa com estas medidas de segurança”, diz Augusto.
10 – Banheiro acessível
Espaços mais largos para a manobra da cadeira de rodas, instalação de barras de apoio e posicionamento adequado do vaso, lavatório, acessórios e descarga, são intervenções essenciais em banheiros. Augusto explica as normas de acessibilidade: a altura da descarga deverá estar a um metro do chão. Já a respeito do lavatório, o espaçamento entre a parte inferior ao piso, deve ser de, no mínimo, 65 centímetros sendo que o ideal seria de 73 centímetros, para que cadeirante consiga encaixar sua cadeira embaixo, na hora de usá-lo.
Além disso, é imprescindível ter um botão ou campainha de emergência, para ser acionado em caso de acidentes. É necessário ainda ter um porta-objetos e um cabide fixados entre 80 a 120 centímetros para servir como apoio para as bolsas, mochilas e acessórios usados pelas pessoas.
Fonte: Da Redação/Assessoria